Em 23 de junho de 2020 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 14.016/2020, a qual dispõe sobre o combate ao desperdício de alimentos e a doação de excedentes para o consumo humano às pessoas carentes. Lei esta que veio em momento oportuno, haja vista as nefastas consequências trazidas pela COVID-19 às mesas de lares de dezenas de brasileiros carentes.
Além do mais, regulamenta de uma vez por todas a possibilidade de os estabelecimentos, tais como restaurantes, lanchonetes, padarias, supermercados entre outros, doarem alimentos às pessoas que necessitam. Afinal, sempre houve muita insegurança por parte desses fornecedores em realizar tal benesse, até mesmo sendo recomendado por associados do setor que não realizassem tal prática, sob o risco de serem processados e condenados a indenizar por eventual indisposição alimentar que pudesse causar ao donatário.
Entretanto, com a finalidade de regulamentar a prática, uma vez que há um número considerável de “sobras limpas” produzidas pelos referidos estabelecimentos, além do aumento de pessoas passando fome, a Lei traz segurança jurídica àqueles que sempre se propuseram a ajudar, porém não o faziam por receio.
Portanto, a Lei logo em seu art. 1º dispõe quanto aos estabelecimentos autorizados a fazer a doação dos alimentos, devendo cumprir alguns critérios, como: estar o alimento dentro do prazo de validade e nas condições de conservação específicas pelo fabricante; não tenham comprometidas sua integridade e a segurança sanitária, mesmo que haja dano à sua embalagem; tenham mantidas suas propriedades nutricionais e a segurança sanitária.
Outro importante fator a ser cumprido está insculpido no §3º, do art. 1º, da referida Lei, o qual disciplina que a doação, como se poderia imaginar, deverá ser realizada de modo gratuito, sem a incidência de quaisquer encargos que a torne onerosa.
Mas o grande detalhe, e talvez a questão mais tormentosa, que gerará discussões doutrinárias e jurisprudenciais, é o teor do art. 2º, parágrafo único, da Lei. Este dispõe, claramente, que a doação nos moldes desta legislação, em nenhuma hipótese, configurará relação de consumo. Isto é, importante garantia para os estabelecimentos (fornecedores), fomentando a prática. Em contrapartida, coloca em maior risco e estado de fragilidade os beneficiados, pessoas, famílias ou grupos em situação de vulnerabilidade ou risco alimentar ou nutricional (art. 2º).
Torna-se indiscutível, ademais, o regime de responsabilidade civil do doador – a subjetiva, desde que tenha agido com dolo. E, neste ponto mora o grande perigo e divergência com o Código de Defesa do Consumidor. Afinal, esta relação mostra-se como verdadeira relação de consumo, visto que o donatário, se sofrer algum acidente decorrente da ingestão do alimento doado, enquadrar-se-ia, perfeitamente, na figura do consumidor por equiparação (CDC, art. 17).
Desta forma, resta aguardar os próximos capítulos e discussões envolvendo o teor desta Lei, que possui um sério e louvável teor econômico e social, porém carece de segurança jurídica a quem dela se beneficiará, quais sejam as pessoas em estado de hipervulnerabilidade.